Ciclos que nós matamos (às vezes).
Sobre ciclos e nós mesmos, e o que somos nesse processo.
Em 2025 entrei para a universidade. De novo. Minha segunda graduação, agora em História. A minha primeira passagem pela Academia, cursando Música, foi encerrada em 2021, em plena Pandemia da Covid, após seis anos de um curso que deveria durar apenas quatro, via de regra. Mas durou mais porque a vida não é tão simples, mesmo quando tentamos deixá-la assim. Enfim, tá tudo bem. Tive motivos e não me arrependo deles.
Voltar aos estudos formais numa instituição de ensino depois de um tempo é curioso. Minha vida, já adiantando, é curiosamente marcada por alguns ciclos que se formam na minha tragetória. Por exemplo, eu me tornei pai aos vinte anos, quando meu pai também tornou-se tal. Casei-se com uma mulher que já tinha filhos, tal qual minha mãe quando se casou pela segunda vez, comigo e meu irmão mais novo. Um terceiro diz respeito ao fato de que eu entro para a graduação dez anos após entrar na primeira.
Isso tudo não quer dizer nada de metafísico, certamente. O ceticismo o qual me forma como pessoa não me deixa ter outro olhar. Na verdade, racionalmente falando, talvez tenha havido certa repetição de padrões, mas isso é um assunto que vai além da minha capacidade de raciocínio.
Quis tocar nesse assunto pois sinto a necessidade constante de quebrar ciclos. Desde o ano passado, quando passei por alguns dos momentos mais difíceis dos últimos tempos, até recentemente, vivi vários finas e começos, e às vezes vice versa. Descrubro-me constantemente em tentativas de me conhecer. Não creio que vamos nos entender totalmente até o fim da vida. Mudamos tanto que nem percebemos. Já não sou o mesmo do começo deste texto, e ao terminar de escrever serei outro também.
Gosto da frase que diz “você vai passar a vida inteira com alguém sem conhecê-la totalmente”. Quem dizia isso era o pai da mãe dos meus filhos. Ele faleceu em 2023, se bem me lembro. Tinha seus setenta e tantos anos. Ligeiramente mais novo do que o meu avô, pai da minha mãe, que faleceu há exatos dois meses. Duas sabedorias irreparáveis.
A frase em questão me faz pensar o quanto conhecemos quem somos ou com quem nos relacionamos. E penso na ideia dos ciclos que nos colocamos e encerramos: jamais seremos os mesmos do início em relação ao fim. Por mais que seja breve, seja leve ou fulgaz, a marca fica na gente, como tatuagem que com água se desfaz. Ainda fica ali, escondida, pequena e marcada. E dessas marcas formamos quem somos, lentamente.
Em quantos ciclos precisamos entrar e sair pra perceber que somos tudo aquilo que fomos e deixamos pelo caminho, também? Se cada texto que escrevi, cada música que compuz, cada prato de comida que preparei e cada amor que tive já deixei de ser, o que eu sou? Penso que também somos o que fomos, mas não inteiramente. Como uma tela que precisa de uma restauração: a tinta jamais será a mesma, então é a mesma pintura? Sim, e ela mudou, também, pois o tempo pedia isso.
A vida me leva a escrever e parar de escrever com certa frequência. Meu primeiro texto do ano é em maio, e já estamos chegando à metade desse ciclo solar. Mas muitos ciclos se iniciaram nesse percurso: toco numa roda de samba, sou universitário novamente, descobri novas formas de amar, conheci pessoas e lugares que não imaginava antes. Continuo sendo eu, mesmo que não mais o mesmo.
Espero conseguir escrever mais. Eu digo isso com mais frequência do que gostaria, e tentarei (pra mim mesmo) não me repetir nesse ponto. É um desejo genuíno; pretendo continuar e não parar mais tanto desta vez.
Sinto saudades do que fui, mas não mais do que eu ainda vou ser. Faz sentido? Espero não saber da resposta. Espero apenas entender, com o tempo, que todo ciclo faz parte de mim, especialmente os que terminaram: já são inscrições em mim, e isso ninguém me tira.
No mais, sigo. Pra onde? Pra mim mesmo, inevitavelmente.
Abraços.
Estava precisando deste seu texto, caro.
lindo texto